Curativos de pele de tilápia, desenvolvidos por pesquisadores do Ceará, serão utilizados no tratamento de cavalos feridos nas enchentes no Rio Grande do Sul. As principais lesões foram causadas nas patas dos animais, pelo excesso de tempo que ficaram submersas na água.
O primeiro lote, com 70 unidades do insumo biológico, foi enviado ao Sul no início do mês, e mais 300 peles estão sendo preparadas pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (UFC) para possível novo envio ao estado gaúcho.
O médico Edmar Maciel, cirurgião plástico, coordenador geral da pesquisa da pele de tilápia e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), explica que a ajuda foi solicitada por uma veterinária da cidade de Nova Santa Rita (RS), a cerca de 20 km de Porto Alegre.
“Fomos procurados pra orientá-la sobre o uso de pele, porque ela estava com peles de rãs sendo utilizadas. Depois, em contato com a nossa veterinária Behatriz Odebrecht, ela nos falou que gostaria de ter a pele de tilápia, se seria possível”, relata Dr. Edmar.
Além do envio das peles – que “chegaram lá nessa segunda (10), porque o acesso está difícil” –, a equipe do pesquisador realizou uma capacitação online com os membros da clínica veterinária gaúcha para orientar sobre o uso da pele de tilápia nas feridas em cavalos por submersão.
A submersão dificulta o sangue a chegar na pele, pela vasoconstrição, bloqueando a microcirculação. A pele necrosa e cai. A vantagem do uso da pele de tilápia nessas feridas é que não precisa trocar o curativo diariamente, diminuindo o sofrimento do animal.
Edmar Maciel
Médico e coordenador geral da pesquisa
O médico explica que o curativo biológico com a pele do peixe é trocado, inicialmente, a cada três ou quatro dias, tempo que se espaça à medida que a cicatrização evolui. O tratamento completo dura, em média, 3 meses.
“Estamos preparando um novo lote, estará pronto em 20 dias, mas não sabemos se mandaremos (ao RS). Vamos aguardar esses primeiros resultados, o acompanhamento por parte da nossa equipe. Se enviarmos um novo lote, algum membro da equipe vai participar”, informa Dr. Edmar.
Técnica pioneira
A pesquisa sobre o uso de pele de tilápia em lesões humanas iniciou em fevereiro de 2015, a priori investigando os efeitos do curativo biológico em queimaduras e, depois, em feridas, cirurgias ginecológicas e outras aplicações regenerativas.
Em outubro de 2020, animais feridos durante as queimadas no Pantanal, no Mato Grosso, receberam aplicação da pele de tilápia para cicatrização das lesões. Foi o primeiro uso em animais silvestres. A técnica já foi aplicada também em outros países.
O coordenador geral do estudo diz que, além de “uma honra grande”, a ajuda aos animais gaúchos tem sido um aprendizado inédito à equipe de pesquisadores.
“É uma honra ajudar quando somos procurados, porque sabemos que estamos contribuindo com esses pacientes. E em cada missão a gente aprende. Desta vez, por exemplo, não tínhamos esse conhecimento das feridas em cavalos submersos”, pontua Dr. Edmar.
De onde vem a pele de tilápia
A pele utilizada nos pacientes humanos e veterinários é retirada da tilápia-do-nilo, um peixe de água doce de cativeiro, de fácil reprodução e abundante no Nordeste. Hoje, a maior parte das peles vem do município de Itarema, no Litoral Norte, por meio do projeto Piscicultura Bomar.
Outra parte sai das águas do maior açude do Estado: o Castanhão, no município de Alto Santo, no Vale do Jaguaribe. Além da alta disponibilidade, Dr. Edmar Maciel observa que os animais aquáticos proliferam menos doenças que os terrestres, o que torna a pele da tilápia “clinicamente mais segura”.
Após receberem o insumo, os pesquisadores realizam um processo de tratamento para que a pele se torne apta à aplicação nos ferimentos e queimaduras.
“Há uma limpeza inicial, recorte dos bordos e todo um processo químico e enzimático. Por último, é enviada a São Paulo, para o Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares, para fazer a radioesterilização, que garante que a pele está livre de vírus e bactérias”, explica o médico.
A pesquisa com pele de tilápia é reconhecida internacionalmente, colecionando premiações no Brasil e em outros países.
[Com informações do Diário do Nordeste]